terça-feira, 4 de maio de 2010

A culpa é do povo

JustificarOs meios de comunicação batem, insistentemente, na tecla voto consciente. Batem nessa tecla com razão, afinal, nossas escolhas determinarão, em alguma medida, o ruma de políticas que afetarão nossas vidas. Então, para mudarmos alguma coisa precisamos votar conscientemente. A lógica desse discurso é a seguinte: da mesma forma que terminaríamos com um namorado ou uma namorada se ficássemos sabendo (conscientes) sermos vítimas de traição, é preciso saber (ficar consciente) de quem é quem no mundo da política para romper ou estabelecer uma relação. Sabemos ser importante votar de maneira consciente. Mas, se sabemos disso, por qual motivo acontecem tantos escândalos e não muda nada, ou quase nada, no panorama político? Se todos sabem que devem votar de maneira consciente, então, quem é o inconsciente da história? Ahh... Sim, o povo, sempre o povo! Tudo está como está por causa do povo, massa amorfa incapaz de mobilização e apática demais para buscar informações. Sendo assim, podemos dizer ser o povo merecedor do governo ao qual está submetido, confirmando a famosa frase: cada povo tem o governo que merece (frase que descobri, numa pesquisa rápida na internet, ser do filósofo Joseph-Marie de Maistre).
Duas perguntas: Se cada povo tem o governo que merece, será que não estamos contentes com nossos governantes por sermos eternos insatisfeitos? Não. E posso dizer isso de um modo tão definitivo pelo seguinte: não somos o povo. Quem está insatisfeito nunca é o povo. O insatisfeito nunca se identifica com ele. Afinal, quem é o povo? Quem é esse que, volta e meia, é considerado o responsável por colocar políticos corruptos no poder? Quem é esse que, além de colocar políticos corruptos no poder, não faz nada diante da corrupção?
O povo é o ingênuo, o ignorante, quase sempre o pobre e, só algumas vezes, a classe média, mas nunca o rico. O povo é aquele que se deixa enganar, aquele que troca seu voto por óculos, churrasco, por algum cargo, ou algum outro bem imediatista. O povo é todo mundo, o povo é ninguém. Eu não sou o povo, nem sou do povo, imagino que você também não seja o povo e nem do povo, ninguém é. O povo é sempre o outro, os outros, mas nunca, nunquinha, a gente. E isso não acontece só no campo da política, em tudo o mais é assim: o povo é que escuta música ruim, o povo é que assiste novela, o povo é que não lê, o povo é que não se informa. O povo, sempre o povo!
Se eu não sou o povo, se vocês leitores não são o povo, se seus amigos próximos não são o povo, se o povo é sempre o outro que se encontra distante de mim socialmente, culturalmente, quem é, então, o povo? Se aqueles que pensamos ser o povo não se pensam como povo e, ainda por cima, também colocam a culpa no povo, pois eles também não são o povo, quem é o povo? Me digam, por favor, quem é o povo? Quero apontar para ele e dizer: a culpa é sua. Só espero, quando nos encontrarmos, não ouvir dele as seguintes questões: i) o que fazer quando só é possível escolher entre variações da mesma tonalidade? ii) Será que escolho verdadeiramente ou só faço parte de um jogo no qual finjo escolher? iii) O que fazer? Diante dessas questões eu só poderia responder: apareça Povo, apareça cada vez mais. Entre nos espaços mesmo sem ser convidado e, em alto e bom tom, diga o seu nome.

2 comentários:

  1. Adorei o texto. Parabéns.

    "Será que escolho verdadeiramente ou só faço parte de um jogo no qual finjo escolher?"

    Essa frase nos leva a inúmeras e férteis discussões...

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  2. Eu quis, realmente, pressionar o botão. Mas escorregou como que por destino.

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